A Revolução de 1930 rompeu a sequência de domínio oligárquico que controlou o país desde 1894, ao depôr o paulista Washington Luis, impedir Julio Prestes (outro paulista) de assumir a presidência do Brasil após vencer as eleições e levar ao poder o gaúcho Getúlio Vargas.
Hoje nosso objetivo não é aprofundarmos a discussão sobre o assunto, mas sim mostrar como a música esteve presente no desenrolar dos acontecimentos da Revolução de 30. Para isso, utilizaremos as informações e contextualizações feitas pelo jornalista e ex-ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, em seu site Conexão Política que, infelizmente, não é mais atualizado.
As músicas são da, segundo algumas fontes, primeira dupla sertaneja do Brasil, Mandi e Sorocabinha. São cinco músicas e, na sequência, será apresentada uma contextualização extraída do site Conexão Política, acompanhada da música e da letra.
A postagem ficou muito extensa, então clique em 'mais informações', logo abaixo, para continuar lendo e ouvir as músicas.
Música 1: Paulista e Gaúcho
"Esta moda de viola provavelmente foi gravada em dezembro de 1929, poucos meses antes das eleições de março de 1930, vencidas pelo paulista Júlio Prestes e contestadas pela Revolução comandada pelo gaúcho Getulio Vargas.
Na música, cada um dos integrantes da dupla caipira assume o ponto de vista de um estado e critica o outro. O gaúcho tece elogios a Antônio Carlos, presidente de Minas, a Getulio, do Rio Grande do Sul, e ao estado da Paraíba, os três redutos da Aliança Liberal.
O paulista garante que Júlio Prestes será o novo presidente do Brasil e lembra que São Paulo é o estado mais rico do país, pois produz o “ouro verde”, o café.
“Paulista e gaúcho” é a primeira de uma série de cinco modas de viola da dupla, que contam a história das eleições e da revolução daquele ano. Ao acompanhá-las, pode-se perceber as mudanças nas posições políticas de Mandi e Sorocabinha – e, de certa forma, de boa parte do povo paulista."
“No Estado de São Paulo
O mundo inteiro é permitido
Viva o povo paulista
Trabalhou sem ser esquecido
Laí, lá, lai
Trabalhou sem ser esquecido
Viva a pátria brasileira
Viva o meu Brasil querido
Viva o Rio Grande do Sul
Viva a terra, pátria minha
Viva o Brasil inteiro
Viva o Estado de Minas
Lá, lá, laiai
Viva o Estado de Minas
Viva o Antônio e o Getúlio
Paraíba pequenina
Seu gaúcho mal-criado
Gaúcho, você é uma peste
Vá você plantar por mim(?)
Muito tempo não arrefece
La, lá, laiai
Muito tempo não arrefece
Quase ganha minha boca
Então que vá pro Júlio Prestes
Seu gaúcho destemido
(...) não se faz
Sou paulista que (...)
Um cabresto que vai dar
Lai, lai, lai,lai
Um cabresto que vai dar
Esse louco vai ganhar
Dia primeiro de março
Júlio Prestes é (...)
Júlio Prestes é competente
Júlio Prestes é caboclo forte,
É nosso novo presidente
Laí, lá, lai
É nosso novo presidente
(...) pro Brasil inteiro
São Paulo que está na frente
São Paulo, estado rico
Anda (...), não fica atrás
Quem mandou na votação
Quero vê quem pode mais
Laí, lai, ai
Quero vê quem pode mais
É Paraíba e ouro verde
E (...) Minas Gerais
(......................)
Gaúcho come carne de porco
Paulista colhe o café
E é o café que vale ouro
Laí, lá, lai
E é o café que vale ouro
Dentro do Brasil inteiro
Só cobre a metade do Tesouro
Ô paulista de uma figa
Tá dizendo burrada
Quem colhe o café em São Paulo
É você, italianada
Lá, laaiai
É você, italianada
(..................)
Paulista não serve pra nada
Os italiano aqui trabáia
Aqui é terra de dinheiro
Não é terra de revolução
Nem de povo desordeiro
Laí, lá, lai
Nem de povo desordeiro
Vou falar
Pra ........O mundo inteiro
Ouvindo tiro de Canhão
Metralhadora pipocando
Olai, ai
Metralhadora pipocando
...............
Mês de março está chegando
Fazer bagunça
...........Nome do mineiro
Nome verdadeiro
Olai, ilá
Que dá nome verdadeiro
Paulista é .............
Não tem medo de guerreiro
Paulista não é de nada
Medo de assombração
Olai, ilai
Musica 2: Tempo ruim
"A música, lançada em maio de 1930, provavelmente foi composta antes de março, quando foram realizadas as eleições presidenciais vencidas por Julio Prestes e contestadas por Getulio Vargas e a Aliança Liberal, pois há na letra menção ao fato de Getulio dizer que venceria a disputa.
A moda de viola faz parte de uma série em que a dupla acompanha em tempo real a agitação política e as reviravoltas do período. Como os tempos estavam confusos e os preços disparavam, a música tem um certo tom nostálgico. Sente saudades até da monarquia."
“O nosso tempo tá ruim
Em tudo eu não acho jeito
Sempre mudar de governo,
Sempre mudar de prefeito
É coisa que eu não compreendo
E eu não posso achar direito, aaai
Foi depois da Monarquia
Que houve complicação
Agora com a República
Tudo vai por votação
E a gente que não vota
Diz que não é cidadão, aaai
Todas as coisas ficou caro
Bem depressa, num instante
Alembro e tenho sôdade
Daquele tempo distante
Eu tinha quatro vintém
Mas valia que nem diamante, aaai
Eu pegava em dez mil reis
E surtia a minha casa
Pagava tudo vendeiro
E nada eu atrasava
Quando era fim da semana
Mantimento sobejava, aaai
Hoje eu pego em vinte mil réis
Vou na vila, fico besta
Eu gasto tudo os meus vinte
A compra cabe na cesta
Não sobra nem dez tostão
Pra mim comprar uma chupeta, aaai
Pois olha minha mulher
Vim pensando pro caminho
Pra comprar a mamadeira
Não sobrou nem um pouquinho
Dê de mamar pro pequeno
Agrade o nosso filhinho, aaai
Mulher passa a preguntar
Se eu ouvi falar da eleição
E eu passo a contar
Tá feia a situação
O Vargas disse que ganha
Eu não sei se ganha ou não, aaai
Pois olha minha mulher
Na vila a coisa tá feia
Se falar mal do governo
Põe a gente na cadeia
E depois da carceragem
Não se tem pataca e meia, aaai”
Música 3: Depois das eleições
"Embora tenha sido lançada em novembro, essa moda de viola certamente foi composta meses antes, pois dá conta do inconformismo da Aliança Liberal com o resultado das eleições realizadas em março, mas ainda não faz referência à Revolução deflagrada em outubro. Mas está claro que o cheiro da revolta já está no ar.
A dupla caipira paulista conta a história como era vista, então, por São Paulo: Júlio Prestes ganhara no voto, mas Getulio Vargas, candidato da Aliança Liberal, queria se impor na marra. Apesar disso, dois versos deixam claro que a situação política era incerta e que Mandi e Sorocabinha não apostavam todas as fichas num lado só: “Mas o que o povo quer é um governo bão / Que acabe com a crise e melhore a situação”. O Antônio Carlos citado na música, que teria garantido um milhão de votos à oposição, era o presidente de Minas Gerais."
“Dia 1o de março, dia de barulhão,
Foi no Brasil inteiro, foi dia de eleição
Pra escolher o presidente da Federação
Correu tudo direito, sem atrapalhação
Tinha dois candidatos pro governo da União
Candidato do governo, candidato da oposição
Mas os dois merecia, são dois bons cidadão
É a força do eleitorado que faz a contação
Os estado do Brasil fizeram combinação
Da Aliança Liberal fizeram um galardão
E o Antonio Carlos prometeu um milhão
Houve grande diferença, pois não foi na apuração
Julio Prestes ganhou à força da votação
Querem impor o tal Getulio com a revolução
Mas o que o povo quer é um governo bão
É que acabe com a crise e melhore situação
O que não achei bonito, parece uma traição
Não sei se eu falo certo ou se falo sem razão
Pros chefes liberá, depressa deu a mão
Por conta do governo, como quem pede perdão
Julio Prestes de Albuquerque, homem de bom coração
Largou o Rio de Janeiro na primeira ocasião
Oferece(?) anistia sem nenhuma restrição
Com tal de harmonia governe a Nação”
Música 4: Rebentou a revolução
"Nesta moda de viola, Mandi e Sorocabinha, que em “Depois das eleições”, gravada meses antes, ainda estavam com Júlio Prestes, já estão embarcados no trem da Revolução de 30 – “uma bonita combinação” contra “Washington Luís, brasileiro mais turrão”.
Falam sobre a batalha de Itararé, em que iriam se enfrentar as tropas revoltosas, vindas do Sul, e as forças legalistas, mas que terminou não ocorrendo, pois, com a deposição do presidente no Rio pelos ministros militares, veio a ordem para “cessar a mobilização”. E então, “gaúcho e paulista choraram de emoção/ Acabou-se a inimizade, acabou-se a desunião”. Dias depois, abortando a manobra dos ministros militares, que ainda tentaram permanecer no poder, Getulio Vargas chegaria ao Rio, assumindo o comando do Governo Revolucionário."
“No dia 3 de outubro rebentou a revolução
Foi uma coisa bem feita, uma bonita combinação
Em Minas e no Rio Grande e em outros pontos da Nação
O exército se alevantou com as suas armas na mão
Contra o Washington Luiz, brasileiro mais turrão.
Não houve quem não sentisse essa grande aspiração
Pois a nossa família sofreu tanta aflição
E, valei, os generais compreenderam a situação
Pro governo federal mandaram uma intimação
Não saíssem com a renúncia, saía com a deposição
O exército revoltoso em Itararé fazia pressão
O exército legalista defendia a invasão
Muito, muito contrariado cumpria essa obrigação
O exército legalista tinha muita munição
Mas tinha pouca vontade de matar o próprio irmão
E que fuzilaria se travou lá no Varjão
Metralhadora pipocava, ronco surdo de canhão
Tudo isso misturado parecia um trovão
No meio do tiroteio, gritos, xingos, reclamação
Eu também sou brasileiro, falava com dor no chão.
Chegou um telegrama cessando a mobilização
Gaúcho e paulista choraram de comoção
Acabou-se a inimizade, acabou-se a desunião
Foi deposto o presidente, acabou-se a perseguição
E viva o Brasil novo, terra do meu coração”.
Música 5: Isidoro já vortô
"Com a vitória da Revolução de 30, o general Isidoro Dias Lopes, chefe da Revolução de 1924, em São Paulo, pôde retornar da Argentina, onde estivera exilado desde 1925. Isidoro era uma figura lendária entre os paulistas e uma espécie de irmão mais velho dos “tenentes”, que lhe deram o título de “Marechal da Revolução”.
Diferentemente de Luiz Carlos Prestes, que se recusou a apoiar a Revolução de 30, Isidoro somou-se ao movimento, chegando a ser cogitado para ser seu chefe militar, cargo finalmente ocupado pelo general Góes Monteiro. Com a vitória do movimento, em outubro, assumiu o comando da 2a Região Militar, sediada em São Paulo, mas logo se atritou com Vargas.
Em 1931, depois de criticar o interventor federal João Alberto e o comandante da Força Pública, Miguel Costa, Isidoro foi substituído no comando da 2ª RM, tendo recusado convite para ser interventor no Estado do Rio. Passou a pregar a volta do país ao regime constitucional, participando da Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Com a derrota do movimento, foi deportado para Portugal, retornando ao Brasil em 1934, anistiado.
Nesta moda de viola, Mandi e Sorocabinha já estão francamente ao lado dos revolucionários de 30. O apoio à República Velha ficou para trás: afinal “todo bezerro véio tem mesmo que desmamar”. Washington Luís é tachado de turrão e Júlio Prestes chamado a ressarcir os cofres públicos pelas despesas da viagem que, como presidente eleito, fizera ao exterior. O general Tasso Fragoso, citado na composição, chefiou a Junta Provisória que prendeu Washington Luís, a 24 de outubro, e negociou a entrega do poder a Vargas."
“Da grande Revolução eu também quero falar
O nosso grande Brasil agora vai endireitar
É o Getulio Vargas que agora vai governar
O Getulio foi eleito pelo Partido Liberá
Todo bezerro véio tem mesmo que desmamar
Com o novo governo esperamos ser feliz
Não é mais o Julinho e nem o senhor Washington Luís
Que já fez o abandono do nosso rico país
Fazendo e desfazendo o que dava no nariz
O que é (........) e foi tombado não pico nem a raiz.
24 de outubro foi um dia glorioso
Nós tem que agradecer pro exército revoltoso
E pros grandes generás como é Tasso Fragoso
O exército é valente, o exército é corajoso
(........) tomou o Catete e prenderam o orgulhoso
Isidoro Dias Lopes prometeu, ai, de voltar
Falou pro povo paulista que podia esperar
Que ele voltava mesmo, e que custe o que custar
Agora tá em São Paulo lá no quartel generá
Já cumpriu sua palavra, pode agora descansar
O turrão do Washington Luís foi custoso de arriar
Pra deixar o governo que alguns não quer afinar
Mais cedo ou mais tarde, ele tinha que pagar
Os gasto da eleição, ele tem que ajudá
Se não tiver dinheiro, coitado, vai passar má
E o Julinho Prestes que ele há de confessar
Pela razão ou pela força ele queria governar
Agora tem uma continha aqui para ele nos pagar
É dinheiro que gastou quando ele foi passear
É dinheiro do povo que custou muito ganhar”
Aproveite também para saber mais sobre a Revolução de 30 no próprio site de Franklin Martins, clicando aqui.
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